De onde saem as louças feitas sob medida para restaurantes do Rio

RIO – A versão em palmito pupunha da massa clássica romana Cacio e Pepe (literalmente, queijo e pimenta) chega num generoso bowl em tons de branco e areia. A presença se impõe sobre a mesa do Irajá Gastrô. Impressiona até mesmo o francês Alain Ducasse, chef três estrelas “Michelin” e proprietário de 35 restaurantes em nove países. Em visita ao Brasil em meados de 2015, elogiou a louça, e saiu do restaurante com um exemplar debaixo do braço.

curso restaurante

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— Os restaurantes saíram da indústria de porcelana e adotaram a cerâmica, que, por ser artesanal, permite criar louças exclusivas e pensadas para cada necessidade e contexto. Cada vez que penso em um cardápio, coloco no papel uma ideia de louças para acompanhar. O prato tem que funcionar como uma tela — define Pedro Artagão, à frente do Irajá, em Botafogo.

O design das peças fica a cargo da ceramista Alice Felzenszwalb, que mantém seu ateliê a todo vapor no Jardim Botânico, produzindo louças para restaurantes como Puro, Zuka e Venga, e também para uso doméstico. Uma nova leva de pratos para o Irajá está prestes a sair do forno. Agora, Pedro apostou no branco para compor o menu, subvertendo a monotonia da cor, tão comum na louça caseira.

— Como o branco interfere menos, pudemos impressionar na forma. Os pratos novos têm profundidades e formatos diferentes. Em alguns, fizemos fundos canelados, para dar um efeito de que a comida flutua — explica Pedro, no plural, sobre a criação da nova linha.

No quase vizinho Lasai, o celebrado “ovo caipira” (na verdade, um creme de inhame, leite de coco, gema e crocante de carne-seca) chega à mesa em pratos coloridos: verde, marrom, preto ou cinza, dependendo do número de comensais. Já um quarteto de aperitivos é apresentado num bloco escultural preto. Com um cardápio mutante, modificado em função da sazonalidade dos ingredientes, o restaurante também faz dos pratos uma surpresa à parte.

— A gente ainda não consegue desenhar uma cerâmica para cada prato, é um material mais caro que a louça e também porque nosso cardápio é sazonal. Por isso, as peças são usadas em diferentes menus. Como na mesa de casa, o importante é manter um contraste de cores e o volume da comida. Uma salada num prato fundo se perde — exemplifica o chef Rafa Costa e Silva.

As peças do Lasai vêm do paulista Studioneves, que faz cerâmicas sob medida para casas como D.O.M., de Alex Atala, e Maní, de Helena Rizzo, e do carioca Ibicoio, comandado pelas ceramistas Luiza Aquim e Cecília Gibbs. A encomenda de mil peças para o Lasai foi o primeiro grande desafio do ateliê, cujo nome significa “terra que veio do Rio” em tupi.

— O Rafa veio, desenhou o que queria e anotou as quantidades. Quando ele foi embora, começamos a contabilizar o total. Levamos um susto. Nunca tínhamos feito nada do gênero — lembra Luiza.

Fundadora do bufê Aquim, ela conheceu Cecília num curso de cerâmica, após se aposentar do comando da empresa, hoje chefiada por seus filhos. Fascinadas pela transformação da argila, as duas nunca ficavam satisfeitas ao final das aulas. Resolveram, então, comprar um forno para continuar praticando. Luiza criou um anexo no jardim de sua casa, no Cosme Velho, e assim nasceu o Ibicoio, que hoje tem no rol de clientes restaurantes como Rubaiyat e Aprazível. Quem agenda uma visita ao ateliê às vezes tem uma surpesa: as cerâmicas são vendidas a quilo no ateliê.

— Somos duas velhinhas nos divertindo — brinca Cecília. — A gente não para de aprender.

Até a véspera da Olimpíada do Rio, a dupla (e mais um punhado de funcionários) está às voltas com uma encomenda de três mil peças para o bufê Aquim, responsável pelos comes e bebes de diversos espaços do evento, entre eles as casas britânica e francesa.

— Comida é o resultado do amor com que você prepara e apresenta os ingredientes. O prato é parte muito importante nisso — aposta Luiza.

No Naturalie Bistrô, em Botafogo, uma história parecida. Luciana Tiefel procurava uma ocupação durante o mês de repouso recomendado por seu médico. Foi parar no estúdio da artista plástica Teresa Merheb. De ceramista amadora, passou a produzir as peças que recebem as criações da filha, a chef Nathalie Passos.

— Nas aulas, descobri que a Teresa fazia cerâmicas para restaurantes. Só que ela não tinha como assumir novas encomendas. E me disse: “Você é quem vai fazer para sua filha.” Fiquei três meses, até o restaurante abrir, fazendo as peças. Nunca pensei que fosse capaz de fazer uma louça — lembra Luciana.

A temporada no ateliê rendeu a produção de panelinhas, bowls, molheiras e pratos em estilos rústico e clean (“A comida que fazemos já é bem colorida”, diz). No salão, um estante ainda guarda parte da coleção de louças de Luciana, garimpadas em viagens.

— Eu e a Nathalie moramos em Nova York para estudar gastronomia antes de abrir o restaurante. Eu sempre comprava loucinhas coloridas. Em viagens, levo normalmente uma malinha só para trazê-las. Isso inspirava a gente na criação dos pratos — conta.

O chef Felipe Bronze é outro colecionador de louças. Ele calcula que tem um acervo com cerca de cem tipos diferentes, sem contabilizar a quantidade de cada um:

— O acervo é enorme. Adoro escolher a louça, porque ela é parte da experiência do jantar. Indissociável da comida. O prato esconde ou valoriza o trabalho, tem um apelo visual que é importante quando você começa a comer.

No remodelado Oro, no Leblon, o chef misturou itens do Wabi-Sabi Ateliê, do Studioneves, da moderna espanhola Lusema & Vega, da portuguesa Vista Alegre e “muita coisa do Japão”:

— Como no Oro há um encontro rústico com o moderno, também usei louças com esse apelo. A riqueza está na pluralidade de influências.

Paulo Vergueiro em seu ateliê: 14 anos dedicados à arte de moldar vidros – Fernando Lemos

Para escolher as combinações, Felipe tem algumas dicas: um prato azul para servir frutos do mar, outro em formato oval para servir um ovo.

— No último cardápio, eu servia uma carne mal passada num prato que parecia estar sangrando. Algumas pessoas achavam que a pintura da louça era o sangue da própria carne.

Ainda que a cerâmica domine o cenário gastronômico atual, o vidro foi a escolha da chef Inês Braconnot para o recém-aberto Ró, especializado em comida crua, no Jardim Botânico:

— O elemento principal da nossa cozinha é a água e não o fogo. O vidro evoca essa história fluidez.

Após duas décadas dedicando-se à cerâmica, ele se rendeu aos vidros, material com que trabalha há 14 anos.

— A cerâmica é um corpo opaco. Comecei a sentir falta da transparência. E o vidro surgiu como forma de suprir essa necessidade — conta. — Fazer louça é quase um desenvolvimento de produto. É um constante processo de criação.

Fonte: https://oglobo.globo.com/ela/gastronomia/de-onde-saem-as-loucas-feitas-sob-medida-para-restaurantes-do-rio-19667260#ixzz4hMbiNzDc

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