Somados, The Little Coffee Shop, Underdog, Na Garagem, Kebab Salonu, Kintaro, Tenda do Nilo, Maíz e Z-Deli ocupam menos de um oitavo do espaço do Vento Haragano, que tem 3.500 metros. Mas têm público mensal três vezes maior que o do restaurante. No ecossistema gastronômico atual, tamanho é documento: virou vantagem para a sobrevivência.
Com os aluguéis cada vez mais altos, reduzir o espaço para diminuir custos é um atrativo para novos negócios e – o que interessa diretamente aos frequentadores – permite reduzir o valor da conta. Resultado, minicasas estão pipocando pela cidade e fazendo sucesso.
Não precisa ser palito para caber nas caixinhas, mas sucesso é problema em lugares com esse perfil. Para começar, é comum encontrar filas maiores que o cumprimento da casa. Também pode acontecer de acabar o estoque antes de você fazer o pedido. Não esquente a cabeça e prepare-se para a aproximação física com os outros frequentadores – ela é regra.
Para encher o Underdog não precisa de muito: afinal, são apenas oito mesas na calçada. Sem grande espaço para estocar produtos, acontece de algum ingrediente terminar antes de matar a fome de todos. “O público tem sido compreensivo, mas no fim das contas, não ter lugar para todo mundo é um problema”, diz Santiago Roig, sócio e responsável pela parrilla. Ele conta que às vezes o único jeito é avisar o cliente de que “talvez hoje você não consiga comer”.
Ninguém vai a um minirrestaurante para matar a fome e ir embora correndo, como se estivesse num fast food. Mas ser muito slow food e ocupar a mesa por horas atrasa a dança das cadeiras e fere a etiqueta local.
“Ser pequeno impacta na administração de funcionários, logística e no preço que posso cobrar do cliente”, diz Gilson de Almeida, do Na Garagem Hamburgueria.
A sobrevivência contábil encontrou reforço na mudança de hábito de parte da clientela paulistana. Em lugares pequenos, dispensam-se os rapapés dos salões tradicionais e a relação entre todos os envolvidos na refeição é mais calorosa, com clientes, proprietários e cozinheiros compartilhando o mesmo ar. A comida, que em lugares maiores simplesmente se materializa à mesa, torna-se um processo visível e mais franco – aquela história de “visite nossa cozinha” torna-se um convite redundante porque você acaba de olho na cozinha mesmo sem querer. Cozinha e salão praticamente se confundem.
“Ser pequeno é menos trabalhoso”, diz Júlio Raw, do Z-Deli Sandwich Shop, “mas eu acho que isso de lugares menores é mais necessidade que charme.”
O Maíz, restaurante de comida de rua latino-americana, nasceu pequeno por interesse dos proprietários. A ideia, contou Mauro Monteiro, um dos sócios da casa, foi montar um restaurante em que as pessoas fossem direto ao balcão retirar o pedido e “normalmente, casas assim são menores”. Com 16 lugares no salão e bancos na calçada, o Maíz atende em média 2 mil pessoas por mês. E as filas acabam espantando muita gente.
Por serem menores, toda a logística precisa estar mais afinada que o padrão. “Desde que abrimos, em setembro de 2013, tentamos melhorar o espaço operacional”, diz Almeida, do Na Garagem. Com pouco mais de 3 m disponíveis, nada pode estar em excesso e qualquer cuidado vale a pena. “Descobrimos esses dias que se a gente cortar um pouco mais de cebola ela pode ficar para a noite e assim economizamos espaço na bancada para fazer outras coisas.” Em cozinhas apertadas, trabalha-se como num trapézio, tudo precisa ser sincronizado para manter o fluxo e a segurança em um ambiente afiado e flamejante.
Por causa disso, o espaço tem de ser projetado com precisão milimétrica porque alguns centímetros podem pôr tudo a perder. Foi o que aconteceu com Rodrigo Libbos, do Kebab Salonu, que há pouco abriu em novo endereço. A cozinha foi planejada no papel antes de a obra do prédio estar concluída. Quando a grelha chegou, não coube no espaço projetado: tinha alguns centímetros a mais.
Donos de casas pequenas dizem que, se de um lado economizam com aluguel, de outro gastam com especificidades para o aperto. É um jogo de encaixe onde menos é mais, mas menos demais também é excesso.
Só a fome gigantesca fica desconfortável em lugares assim. Não existe possibilidade de fazer reserva, quase sempre há fila de espera e é comum alguns pratos acabarem antes do movimento.
Pequena espera
Santiago Roig explica pessoalmente a quem encosta no balcão: “O prato pode demorar um pouco”. Na parrilla de 60 cm por 80 cm, Roig consegue preparar até oito cortes por vez, dividindo atenções entre a panela de óleo quente para as batatas fritas, driblando a pia em que se lavam os pratos logo atrás e recebendo os pedidos enviados pelos garçons. Só ele cozinha. Choripans, mollejas, bifes anchos, hambúrgueres e outras seis opções de pratos, além dos drinques, saem todos de uma área de trabalho que não passa de um corredor com 60 cm por 2m2. Ao todo, a casa tem 20 m2. “Cheguei a pensar em incluir outros pratos no cardápio, mas tenho um pouco de receio de não dar conta, primeiro por questão de estoque e depois pr’eu não me atrapalhar”, confessa.
Underdog
Onde: R. João Moura, 541, Pinheiros.
Não tem telefone.
instagram.com/underdogbar/
O queridinho
Antes da reforma, Júlio Raw desenvolveu memória mecânica para preparar os sanduíches. “Se eu virava o corpo, tinha que pegar a colher, se abaixava, pegava a cebolinha. Tinha a praça de trabalho decorada na cabeça.” O irmão mais novo e temporão do Z-Deli, em Pinheiros, é maior, tem quase quatro vezes o tamanho do endereço original, nos Jardins, mas o desempenho não é proporcional. Apesar de diminuto, 20 m2 visíveis, a unidade da Haddock Lobo é responsável por 40% do faturamento das casas, atendendo quase 10 mil pessoas por mês. O Z-Deli cresceu também onde não se vê. De 7 funcionários, passou a 67, que servem as duas casas. Quando começou com o “Z-Delinho”, a maior complicação não era o espaço. “Foi estar embaixo de prédio, a preocupação com a vizinhança, fazer hambúrguer e fritura, colocar coifa. O brasileiro é careta, não está a fim desse tipo de intervenção. É complicado. Pra gente que faz comida simples, o espaço nunca foi uma barreira. Eu fiquei um ano e meio com uma chapa de 30 cm”, conta. Apesar dos poucos metros que separam os clientes do balcão de preparo, dois garçons entregam os pedidos, esgueirando-se entre as quatro mesas que cabem no lugar. Exigências do público…
Z-Deli
Onde: R. Haddock Lobo, 1.386, Cerqueira César
Tel.: 3083-0021
Estacione com cuidado
Se ainda fosse uma garagem, a hamburgueria de Gilson de Almeida teria espaço para dois carros pequenos muito bem estacionados. O corredor de pouco mais de 3 m2 foi a cozinha possível, projetada e reprojetada pelo menos dez vezes para caber no lugar e ser funcional. Ao todo, são 18 m2 ocupados ainda por um balcão, banheiro e área para no máximo 18 pessoas em pé, ombro a ombro. Duas mesas externas desafogam um pouco a casa, mas todo o balé da grelha ao prato, acontece a olhos vistos. “O cliente almoça ou janta na minha cozinha, a gente precisa ser superdisciplinado na limpeza e na organização”, diz Almeida. Em dias de movimento intenso, a aglomeração acontece na calçada. Fique atento para ouvir seu nome ser chamado e receber o hambúrguer tinindo.
Na Garagem
Onde: R. Benjamim Egas, 301, Pinheiros
Tel.: 3097-9031
Bem acompanhado
Como elefantes em loja de cristais, os irmãos Higuchi, lutadores de sumô, conseguem transitar por trás do balcão sem derrubar uma única manjubinha preparada durante o dia pela mãe, Líria. É ela quem vai à feira aos domingos para comprar os ingredientes que entrarão nos pratos ao longo da semana. Como tudo que é vendido é produzido anteriormente e em porções fixas, o estoque de ingredientes resume-se basicamente a uma geladeira num dos cantos do salão. Ao todo, cabem 20 pessoas na casa, mas há quem já tenha organizado eventos e convidado 300. “Por sorte choveu e só vieram 150”, ri Wagner. Ficaram espremidos entre o balcão e parede, aglomerados no fundo do bar e amontoados na entrada. Na última reforma, a cozinha de pouco mais de 3 m2 ganhou uma nova coifa, mas perdeu o micro-ondas. “Logo, não servimos mais saquê quente”, diverte-se Wagner. A simpatia dos irmãos ajudou a moldar os clientes da casa, muitos deles habitués. “Ser pequeno é bom porque ninguém nunca está sozinho aqui. Você chega só e sem perceber já está participando da conversa de outras pessoas que estão no balcão.”
Kintaro
Onde: R. Thomaz Gonzaga, 57, Liberdade
Tel.: 3277-9124
Hora do cafezinho
Flávia Pogliani cabe melhor no café quando a chamam de Flavinha. Com 1,60 m de altura, fez do minúsculo café de esquina uma extensão de seus braços. Com menos de 1 m2 para trabalhar (o café inteiro tem “quase” 2 m2), Flávia recebe o pedido, mói o café e extrai o expresso como se cada um dos equipamentos fosse uma parte de seu corpo. Tudo que está ali é apenas o essencial. Recentemente, fez uma limpa e retirou itens de uso raro das prateleiras. Queria servir café coado, mas o lugar em que pretendia colocar a chaleira com água quente estava na altura do cotovelo. “Eu poderia esbarrar nela”, disse. Desistiu, ao menos por hora. Durante os dias de semana, repete o mesmo ritual: monta o balcão, as duas mesas de apoio, lixeira e lousa na calçada; no final do dia, arruma tudo no pequeno espaço. O ponto onde está era parte da vitrine da loja vizinha. Para guardar os grãos e lavar a louça, usa um espaço em cima da tal loja, mas praticamente toda a operação ocorre num lugar menor que uma mesa de jantar. Por dia, ela vende em média cem expressos (a R$ 3 cada) e conhece muitos dos clientes pelo nome.
The Little Coffeeshop
Onde: R. Lisboa, 357 A, Pinheiros
Tel.: 2385-5430
O salão é a rua
O melhor é ir para a calçada com as porções de batata bolinha, mandioca rostí, chicharones e outras comidas de rua latinas garimpadas pelo chef Dagoberto Torres, porque, apesar dos 60 m2 totais, o restaurante tem capacidade para apenas 16 pessoas. É que mais da metade do espaço é ocupado por equipamentos para o preparo dos pratos. “Fizemos uma cozinha para dar conta exatamente do que idealizamos para o cardápio”, explica Mauro Monteiro, um dos sócios da casa. Segundo ele, o tamanho diminuto do salão é fundamental para o tipo de serviço implementado na casa, em que o cliente pede, paga e retira ele mesmo as porções no balcão. “Ser pequeno tem muito a ver com esse conceito”, analisa Monteiro. “Por que toda vez que eu saio pra comer preciso que venha um maître e garçom e eu pague por tudo isso? Se dentro da minha casa já tirei um pouco do serviço, por que quando saio para comer vou pagar por ele?”
Maiz
Onde: R. Mateus Grou, 472, Pinheiros
Tel.: 3034-1451
Quero ser grande
“Habib, nosso próximo restaurante tem que se chamar Tenda dos Milagres”, brinca Olinda Isper sobre a dificuldade de trabalhar em um lugar pequeno. Na cozinha de 3 m2, a irmã Xmune finaliza os pratos preparados em casa, sem poder oferecer outras opções por causa das limitações espaciais. Olinda diz que muito da culinária libanesa que gostariam de servir esbarra na falta de espaço para o preparo. Recentemente, visitaram um imóvel no Itaim (“mais que perfeito, habib, até forno a lenha tinha”), mas não levaram a mudança adiante. “Queremos ter um lugar maior sem sair do bairro.”
Tenda do Nilo
Onde: R. Coronel Oscar Porto, 638, Paraíso
Tel.: 3885-0460
Tudo aos olhos
O Kebab Salonu reabriu quatro vezes menor do que já foi na Augusta e atende mais da metade de clientes no novo endereço. Isso com apenas três meses de funcionamento. É o que conta Rodrigo Libbos, chef e um dos proprietários. Antes, ele tinha 30 funcionários, hoje são 12; o cardápio está mais enxuto, apenas 9 opções, para as 15 da primeira casa.
Lebbos e Fred Caffarena alternam-se na multitarefa de cobrar no caixa, servir e supervisionar a cozinha simultaneamente. Do caixa, veem a churrasqueira, forno, ilha de montagem e cumprimentam quem adentra o salão. Se acaba um ingrediente porque o estoque não pode comportar mais, é preciso ir correndo às feiras para repor. “É tudo no fio da barba”, diz Libbos. Se um funcionário falta, os donos acumulam mais uma função. Mas não perdem o humor. “Com o salão assim aos olhos, é mais divertido.”
Kebab Salonu
Onde: R. Heitor Penteado, 699, Lj. 6, Sumarezinho
Tel.: 2373-9258
Depoimento: Sobrou duas vezes mais de mim na hora de servir cafés
Tenho 2,02 m de altura e aceito o fato de que contorcionismo não é talento de pessoas como eu. Girafas são ótimas para comer as folhas mais altas, só que nunca vi nenhuma coçando o tornozelo com os dentes. A natureza tem dessas coisas. Sou obrigado a escutar piadas sobre buscar objetos nas prateleiras mais altas, porém ninguém se compadece quando tenho que passar por portinholas como aquela sob o balcão do The Little Coffee Shop. É a moral do Homem-Aranha: com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. No meu caso, grandes contorções. Entrei, mas ajudar Flávia na rotina daquele metro quadrado era outra história. Tudo ali funciona bem só com ela. Mais, sobra. Tentei pegar uns cafés para entregar aos clientes, mas só de ensaiar o movimento percebi o risco imenso de acidente. Fiquei recluso na escada que dá acesso à saleta onde ela lava os pratos depois do expediente. Meus planos de ajudar se limitaram a servir água filtrada a quem pedia. Dividi o primeiro degrau com o armário de estoque. Com pé 44, não havia espaço para manobras apressadas. Centímetros para lá e para cá, até me colocar de frente para os degraus e subi-los. Sei que fui radical em escolher passar algumas horas em um lugar tão pequeno. Com a sutileza inversa de um Mikhail Baryshnikov gigante, entendi que se eu entrasse em qualquer uma das outras cozinhas desta reportagem, correria o risco de não escrever o texto, com grande possibilidade de me queimar ou perder os dedos na faca. Preferi a segurança das xícaras.
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/paladar/eles-tem-ate-30-m%C2%B2-de-salao/