Pousada, restaurante, confecção e atividades de bem-estar. 60% dos empreendedores brasileiros investem em uma dessas áreas. Para ter sucesso, preste atenção nas histórias e conselhos de quem acertou — e errou
Restaurante
Bota aí um tempero
O dono precisa ter faro para acertar no nicho, ponto, prato, atendimento, gestão e imagem
Juscelino Pereira, no salão do Piselli: experiência prévia como garçom, maître e sommelier antes de se tornar um empresário bem-sucedido
“Até os 35 anos todo homem deve ter o seu próprio negócio.” Juscelino Pereira cresceu ouvindo esta frase, dita sempre pelo avô nas tardes de domingo, quando ele e os primos se reuniam após os demorados almoços de família para escutar as histórias dos negócios feitos por Vicente Tavico. A um mês de completar 40 anos, Juscelino confessa nunca ter se esquecido da frase durante toda a jornada que o levou de Joanópolis, pequena cidade do interior paulista, até o badalado endereço nos Jardins, em São Paulo, onde funciona seu restaurante, o Piselli.
Como tantas outras histórias de sucesso, a de Pereira também começou com um fracasso. Quando tinha 16 anos resolveu virar produtor. “Decidi apostar em ervilhas, que ninguém plantava, para poder vender ao meu preço.” Pediu emprestado ao pai um hectare de terra, comprou as sementes e esperou a plantação vingar. Pouco antes da colheita, foi até a central de abastecimento de Bragança Paulista, cidade vizinha, e começou a oferecer seu produto. “Fui em uma banca, em outra e vendi quase toda a produção. Voltei pra casa fazendo as contas: ‘Nossa, vou poder comprar meu fusca!'” Três dias depois, partiu com o tio para entregar a mercadoria. Eram cinco e meia da manhã quando recebeu a notícia de um feirante japonês: as ervilhas estavam estragadas, deveriam ter sido colhidas um mês antes.
Decepcionado, resolveu aceitar a proposta para trabalhar no restaurante de um amigo da família, em São Paulo. Era um lugar simples, que servia pratos do dia, como feijoada e dobradinha, e Juscelino trabalhou por dois anos como “faz-tudo” – comprava ingredientes, ficava no caixa, atendia o balcão, ia ao banco e costumava ouvir dos fregueses: “Você gosta de atender, tem potencial pra trabalhar em restaurantes finos, precisa ir para os Jardins”. Nos dias de folga, saía para explorar a cidade. “Quando comecei a andar, a ver aquele monte de gente, pensei: aqui vou ter que construir alguma coisa, ter meu negócio”.
RUMO AOS JARDINS
Mas antes de realizar o seu sonho, Pereira trabalhou muito. Foi ajudante de garçom, garçom e maître, passando de um restaurante a outro numa escalada rumo aos Jardins, que era a sua meta. Até que começou a se interessar pelo mundo dos vinhos e aceitou um salário menor para trabalhar como auxiliar de sommelier do Fasano, um dos restaurantes mais premiados de São Paulo. Logo foi promovido a garçom. Aos 25 anos, foi convidado a ir para uma nova casa do grupo, o Gero, como maître e sommelier. Trabalhava distribuindo sorrisos sem saber que cultivava a futura clientela do seu restaurante. Andava sempre com uma agendinha no bolso, em que anotava o telefone e as preferências de cada cliente. “Quando cheguei aos 30 era gerente do Gero, viajava para o exterior, tinha comprado meu apartamento, meus filhos já eram nascidos. Estava satisfeito, mas as palavras do meu avô ainda ecoavam e decidi que até os 35 teria meu negócio.”
SAIBA MAIS
Pereira começou definindo o conceito do seu restaurante. “Percebi uma brecha no mercado de comida italiana: ou eram cantinas e tratorias ou restaurantes caros. Não existia o meio termo, por isso tomei a decisão de fazer um lugar com o espírito familiar da tratoria, mas um pouco mais refinado. Uma tratoria que pensasse no tipo de copo, na temperatura do ar, na acústica do ambiente, no serviço, na qualidade dos guardanapos e da toalha, na luz e não cobrasse muito caro.” Como não tinha dinheiro suficiente para a empreitada, tentou sem sucesso um empréstimo no banco. Procurou, então, investidores: “Buscava quatro pessoas diferentes, que não se conhecessem e não fossem do ramo, porque queria que fosse do meu jeito, ninguém poderia se intrometer.” Tinha o plano de negócios do Piselli esboçado em duas folhas de papel sulfite. “Minha expectativa de atendimento era de duas mil pessoas por mês e 24 mil ao ano, a um tíquete médio de R$ 60, R$ 70 por pessoa. Esperava um retorno do investimento em 18 meses.” Pereira conseguiu vender as quatro cotas de 10% para clientes dos restaurantes onde trabalhou e que acabaram virando amigos. Com o dinheiro na mão comprou o ponto e fez a reforma do local.
LIÇÕES DE QUEM ERROU
Casa cheia não é sinônimo de negócio rentável
A experiência de dez anos como garçom e gerente da rede Outback Steakhouse, nos Estados Unidos e no Brasil, e como consultor de restaurantes no Rio, não livrou Michel Revy, 32, de cometer erros quando abriu seu próprio restaurante em sociedade com a mãe, em 2005. Especializado em grelhados italianos, o Zest ficava no Jardins, em São Paulo, tinha 70 lugares e funcionava para almoço e jantar. ‘Gastei R$ 250 mil, contratei 25 funcionários, comprei os melhores ingredientes. Mas não tinha fluxo de caixa, usei todo o dinheiro achando que no primeiro mês já teria lucro.’ Depois de quatro meses com movimento fraco, Revy resolveu vender, no almoço, qualquer risoto ou massa do cardápio a R$ 15. ‘O movimento era imenso, vendíamos 100 refeições, mas esse cliente não voltava à noite e nos fins de semana para comer o mesmo prato a R$ 30.’ O restaurante passou a funcionar apenas ao meio-dia e a oferecer pratos mais simples, a R$ 12,90. ‘Lotava, mas rendia entre R$ 20 mil e R$ 25 mil por mês. É um erro comum confundir restaurante cheio com restaurante lucrativo.’ Revy fechou o Zest em 2007 e ficou com dívidas de R$ 60 mil. ‘Multa contratual, fornecedores, cheque especial, ações trabalhistas – pago até hoje.’ Em outubro de 2008 abriu o Pasta & Basta, na Pompeia, zona oeste da capital. ‘Meu público é do bairro, vem a pé.’ No novo restaurante, Revy comanda a cozinha e tem apenas seis funcionários. Fatura R$ 40 mil por mês e sonha em ver o Pasta & Basta espalhado por outros bairros da cidade.
No dia 31 de julho de 2004, o Piselli, que significa “ervilhas” em italiano, abriu as portas. No mesmo dia, Pereira comemorava o aniversário de 35 anos. Um ano depois o restaurante atendia quatro mil pessoas por mês e já estava pago. Hoje, 70 mil pessoas passam pelo Piselli ao ano e gastam, em média, R$ 90. “Nos 18 anos em que trabalhei em outros restaurantes, criei um nome e isso dá credibilidade. Mas é preciso qualidade, não adianta fazer porcaria, porque as pessoas vêm, te dão um abraço e não voltam mais.”
Para tocar o negócio, Pereira precisou aprender a administrar. “O atendimento personalizado sempre foi meu foco, saber o que cada cliente gosta de comer e como gosta. Apanhei muito para entender um fluxo de caixa, implantar orçamento, pensar em impostos e leis trabalhistas.” Para dar conta de tudo, ele passa de 12 a 13 horas no Piselli. Controla dos pratos que saem da cozinha à visibilidade na mídia. O sucesso levou Pereira a abrir outro restaurante. “Há três meses inaugurei o Zena, especializado em focaccias. Gosto muito do prazer de realizar.”
PARA DAR CERTO
Os aspectos essenciais para ter sucesso no setor
>>> NO RESTAURANTE tudo acontece na hora: o cliente pede o prato, a venda está feita e a entrega é imediata. É um negócio desgastante e estressante
>>> NA HORA DE CONTABILIZAR os custos, não esqueça dos desperdícios: as perdas giram em torno de 20% a 30%
>>> É IMPORTANTE saber como cada prato colabora para a formação do lucro
>>> LEMBRE-SE DE QUE o cliente come primeiro “com os olhos”: cuide da apresentação dos pratos tanto quanto do preparo
>>> SE FOR ABRIR um self-service, saiba que as variações diárias do cardápio são determinantes para o sucesso
>>> GOSTAR DE COZINHAR para os amigos nos fins de semana é diferente de passar várias horas por dia, em pé, cozinhando para pessoas que pagam pelo que você faz. Não confunda hobby com trabalho
Fontes: Roberto Braga, autor do livro Gestão da Gastronomia, da Editora Senac e Sérgio Diniz, do Sebrae
CONSELHOS DE MESTRES
Empresários bem-sucedidos dão dicas aos iniciantes
“Regras sanitárias, questões tributárias e trabalhistas também fazem parte de um restaurante. Contrate a melhor ajuda especializada que puder.”
Roberta Sudbrack, chef e dona do restaurante Roberta Sudbrack
“Quando comecei, errei ao não estimar a oferta e a demanda, não conseguir fazer um orçamento correto e não ter controle sobre custos.”
Belarmino Iglesias Filho, proprietário do A Figueira Rubaiyat, Porto Rubaiyat e Baby Beef.
“O sucesso veio com muita dedicação e horas de trabalho. Um restaurante exige atenção constante, de dia, à noite, nos feriados e fins de semana.”
Sergio Arno, proprietário do La Vecchia Cucina e do La Pasta Gialla, entre outros