De cada 10 bares e restaurantes na cidade de São Paulo e no país, 8 não têm alvará definitivo de funcionamento.
A dificuldade para cumprir todas as exigências burocráticas para adequar o imóvel a leis de uso e ocupação do solo e a regras de segurança contribui para que os estabelecimentos funcionem de forma irregular.
A demora para obter o alvará definitivo de funcionamento tem sido de até cinco anos, segundo associações de empresários do setor e donos de 25 restaurantes consultados pela Folha.
A legislação previa que o documento definitivo fosse emitido em 60 dias. Em São Paulo, lei municipal sancionada em dezembro criou o “alvará provisório” para diminuir a burocracia e facilitar o processo para que os comerciantes consigam regularizar os imóveis (leia abaixo).
“Há casos em que o restaurante abre, fecha e o alvará ainda não saiu. Essa insegurança jurídica prejudica o setor”, diz Edson Pinto, diretor de relações governamentais da Abresi (associação das entidades e empresas de gastronomia, hospedagem e turismo) e da federação e da confederação do setor.
Sem o alvará definitivo, o dono do empreendimento pode ser multado e corre o risco de ter o negócio fechado.
Peregrinação
Fernando Rigobello, dono do restaurante Hecho en Mexico, no Itaim, diz que demorou quase um ano para conseguir abrir.
O tempo inclui desde a consulta para saber se o restaurante poderia ser instalado no ponto escolhido até resolver problemas com o imóvel e receber as vistorias da Vigilância Sanitária, Bombeiros e fiscais de obra.
“A cada ida à prefeitura eram mais documentos exigidos, mais 15, 30 dias, mais taxas. Perdi as contas de a quantos departamentos fui, quanto tempo gastei.”
O restaurante abriu em novembro, com o protocolo de licença para funcionar. “Muitos na região abriram nessa mesma condição.”
O gasto com registros do negócio, laudos (sanitários, de segurança), taxas, licenças, autos de vistoria e documentos exigidos nas esferas municipal, estadual e federal vai de R$ 10 mil a R$ 15 mil, diz o Inbravisa (instituto de auditoria e vigilância sanitária), que atende 600 clientes da área de alimentação.
“Como a questão regulatória cresce a cada dia e cada órgão cria suas regras, o empreendedor é prejudicado”, afirma Rui Dammenhaie, diretor-presidente do instituto e ex-diretor do Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo.
As exigências chegam a tirar até a “tradição do prato”, diz Edrey Momo, sócio da 1900 Pizzeria e outros três empreendimentos.
“Saúde pública é coisa séria e tem de ser cumprida. Mas não poder abrir a massa de pizza com um rolo de madeira, porque é material poroso, é fora da realidade. E usar luva para enrolar brigadeiro na mão é impraticável.”
Para ele, o setor é tão cobrado hoje, em termos sanitários, como a indústria farmacêutica. “São realidades muito diferentes.”
SP emite documento provisório pela web
Comerciantes e donos de restaurantes com estabelecimentos de até 1.500 metros quadrados podem tirar alvará provisório -a chamada licença de funcionamento condicionada- para regularizar sua atividade.
O serviço pode ser feito desde março pela internet (no site www.prefeitura.sp.gov.br) e atende à reivindicação de representantes do comércio, do setor de bares e restaurantes e empresários.
“A lei de zoneamento da cidade é de 2004 e tem muitas falhas. Sabemos das dificuldades de licenciamento. Por isso, desde o fim do ano passado foi sancionada lei que permite essa nova licença”, afirma Alfonso Orlandi Neto, supervisor-geral da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras.
A licença provisória tem validade de dois anos e pode ser renovada por mais dois, desde que o dono do negócio inicie o processo de regularização do imóvel ou resolva pendências com o Cadin (cadastro de inadimplentes).
Em março o serviço emitiu 442 licenças permanentes e 244 provisórias. Em abril, foram 368 definitivas e 236 provisórias.
“Constatamos que o empreendedor muitas vezes entra pensando em pedir a provisória porque acha que está irregular, mas o sistema já o direciona para a licença definitiva de funcionamento.”
Para a advogada Maria Cibele dos Santos, sócia do escritório Siqueira Castro, a iniciativa é importante, mas atende parte dos comerciantes. “É preciso revisar a quantidade de guichês, integrar o atendimento num só órgão.”
Outra ideia, segundo a advogada, seria unificar em um único documento, como o do número de CNPJ, as inscrições estadual e municipal que o empreendedor tem de fazer.
Uma das queixas dos empresários é que a burocracia também abre espaço para a corrupção nos processos de fiscalização.
“É para isso que existe o telefone 156. Sem receber denúncia, não podemos investigar”, afirma Orlandi Neto.
Bom-senso
Para Percival Maricato, advogado que assessora cem bares e restaurantes e tem negócios no setor, as exigências “passam dos limites” do bom-senso.
“O restaurante tem de instalar placas de todo tipo, de visite nossa cozinha, a não dê bebida a menores, outra com telefone do Procon, da Vigilância Sanitária. O dono não pode nem escolher.”
Empresários também querem desburocratizar as contratações
Com a proximidade de eventos como a Copa e a Olimpíada, o setor de bares e restaurantes também quer “desburocratizar” a contratação.
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) defende uma reforma na lei trabalhista que permita criar o “trabalho eventual” no país, como existe na Europa, na EUA e na Argentina.
“É uma forma mais flexível. Os jovens poderiam trabalhar, receber direitos proporcionais à jornada e continuar estudando. Hoje a lei prevê jornadas fixas. Não permite trabalhar duas horas no almoço e duas à noite, no jantar, por exemplo”, diz Paulo Solmucci Junior, presidente da associação.
Paulo Kress, sócio do General Prime Burger e de outros sete restaurantes, o caminho não é esse. “É preciso desonerar a folha de pagamento, reduzir impostos e capacitar a mão de obra.”